está a acontecer tudo exactamente igual: vieste cá a casa e eu tinha a cabeça completamente noutro lugar. a entrega quase final era na semana seguinte e eu só conseguia pensar que, em vez de estar a perder tempo contigo, podia estar a desenhar umas plantas ou umas axonometrias. depois seguiram-se dias muito complicados, em que adormeci a horas anapropriadas e acordei, claro, a horas também erradas. perdi a fome porque é o que acontece sempre quando tenho muitos problemas para resolver. comi somente iogurtes durante duas semanas, cheguei a colar três dias seguidos sem sair de casa e fumava às escondidas de mim própria. recusei todos os convites para beber uns copos no bairro.
se me perguntasses se queria estar contigo agora, eu diria não. porque deixaste passar muito tempo. como se te tivesses esquecido de uma panela cheia de esparguete ao lume.
me deu uma preguiça que não consegui me levantar mais da cama. perdi todas as aulas e, depois de cair no sono mais umas três horas, peguei o ônibus para a academia.
os dias começaram a suceder-se muito rápido, monótonos e sempre iguais. as aventuras de fevereiro foram substituídas por uma fita branca que não tem fim. quando a loucura for para nós fundamental, serei novamente feliz.
Teria sido mais fácil se eu não estivesse cansada e se não tivesse trocado já de sapatos com a minha amiga. Nada teria acontecido se a vodka já não me tivesse enjoado, e se eu não tivesse já pousado as armas. Mas ele passou e veio-me com aquela conversa do eu tenho a certeza que nos conhecemos. E tudo se dificultou...
Foi sempre essa a vida que eu quis: todas as quintas ir a casa de uma moça brasileira que faz manicure impecavelmente numa rua perpendicular à Avenida da Liberdade, ficar do alto do seu terceiro andar e observar o céu ficar escuro enquanto a brisa se arrefece dos primeiros dias de Verão. Mas tudo o que eu queria, tudo o que eu queria era um almoço de picanha no Leblon, um suco de laranja e manga para a descida até à praia ser mais fácil, um picolé de côco, as montanhas a cada esquina, entrar numa lojinha de camelôs e não comprar uma única coisa.
Há aqueles sonhos muito verdadeiros, que são reais, que quase sentimos os lábios nos lábios. - Na verdade, uma mordida no lábio inferior. As mãos transpiradas, uma felicidade interior. O peito cheio, o sorriso do homem que amamos a transformar-se no nosso próprio sorriso. Bom demais.
As mulheres têm que ter um ar frágil para os homens terem vontade de as abraçar e proteger. Elas precisam de pestanejar suavemente e devem agir como se a vida toda tivessem vivido num orfanato.
Foi hoje que eu desisti. Quando me cruzei com o melhor amigo dele e nesse mesmo instante as minhas pernas tremeram.

Imagino-o com as mãos cheias de coronas e a casa cheia de amigos porque a seguir vão para o bairro. Surfaram a tarde toda e a pele está a doer porque foi teimoso e não quis protector nos ombros. Tem sorriso ainda de puto mas sabe perfeitamente como tratar uma mulher.
constatar que provavelmente poderia tudo ser uma enorme mentira. e doer muito cá dentro só de pensar que, mesmo sendo mentira, nunca mais vai acontecer.


Caminharam de mãos dadas porque era o que dizia no protocolo. Os pés encharcavam-se de água que as ondas traziam e ela queria imortalizar aquele momento porque o vira um dia nos seus sonhos. Na verdade, toda aquela tarde fora tecida conforme um protocolo: Ele sorria de vez em quando, acariciava-lhe os cabelos quando o vento era mais aborrecido e pagou o robalo grelhado que comeram às duas da tarde. No fim de contas, ela queria apenas que ele lhe dissesse que era a mulher mais encantadora que algum dia conhecera, enquanto ele não sossegava porque precisava muito de a beijar, de lhe prender os braços, de lhe morder o pescoço, abrir-lhe as pernas por fim.
Cicatrizes são poéticas.
quando me sento no estirador não tenho a mínima vontade de desenhar o que quer que seja. os homens que vou conhecendo são apenas um punhado de berlindes que guardo no bolso. aguardo chamadas, aguardo mensagens, aguardo que uma das minhas melhores amigas que namora com um dos melhores amigos dele me dê notícias. resolvo problemas com esforço, tenho uma pilha de roupa no sofá do quarto, a cozinha grita para ser alinhada e preciso desesperadamente que a minha pele se bronzeie. a televisão tem o volume demasiado alto e começou a chover lá fora. eu lembro-me de gostar de chuva, quando eu me entretinha entre mantas e canecas de chocolate.
era mesmo muito tarde. era tarde já para voltar atrás. era tarde para esperar quem quer que fosse.

tu consegues, tu consegues, tu consegues.


Não sei. Já não sei de cor o seu sorriso. Já não sei a sua voz no meu ouvido, dizendo uma tonteria qualquer. Já esqueci o número de degraus daquelas escadas apertadas e vertiginosas. Não sei o cheiro das almofadas. Não me lembro da música timbalada que nos adormeceu. Não sei a intensidade da luz que me acordou inevitavelmente. Não sinto já as mãos no meu colo, os lábios nas minhas mãos. Não sei se o amo ainda. Não sei se um dia o amei.
Não queria ter que dizer isto. Mas estou a deixar-me matar porque não estou a conseguir desistir por completo. Desistir por completo não deveria ser uma vergonha - e de facto não é! Mas é uma fraqueza, e isso eu não posso mudar.


Alô moça da favela. Aquele abraço!
O meu ex-namorado foi hoje para Varsóvia com a nova namorada. O colírio está esgotado em todas as farmácias do país. O Pedro não me sai da cabeça e já deveria ter saído. As minhas melhores amigas foram viajar para Espanha. Chove desalmadamente e eu tenho muitas saudades do meu pai.
Estou desiludida. Canso-me de ter os braços na mesma posição, entrelaçados e à espera de uma mensagem escrita que nunca chega. E quando chega é a más horas e completamente descontextualizada. Aguardo ansiosamente por outro melhor dia do mundo. Mas eu sei que está perto. Muito perto.
estou tão perturbada. tão, tão, tão. porque no fundo sei que ainda vamos estar um punhado de vezes entrelaçados como um só. embriagados ou não, apaixonados ou não, arrependidos ou não. e vamos adormecer-nos um ao outro. vamos impregnar-nos no cheiro um do outro e recordá-lo nas duas semanas seguintes. não sei se foram as tuas mãos, se os teus lábios, se os teus olhos ou se a tua imagem de costas desnudas no teu quarto. não sei se foram as tuas palavras no primeiro dia que nunca mais se repetiram. és linda, és linda, és linda, és linda.
Lembras-te de eu dizer que aquilo era um bálsamo? Nunca fui tão feliz. Mesmo precisando de bombons e filmes românticos para esquecer, aquele bálsamo ainda hoje está na minha pele.
e eu queria dizer-lhe que sim. só para os meus olhos puderem mudar de cor.

html code
Daily Specials